Direitos das Crianças e dos Adolescentes: Reflexões a partir do filme Túmulo dos Vagalumes (1988)
30/10/2024Os Vagalumes ainda morrem cedo.
À luz dos direitos humanos, o debate aberto por Isao Takana com “Túmulo dos Vagalumes” (1988) permanece atual.
Quão triste é uma infância roubada? Sob o olhar dos irmãos Seita, de 12 anos, e Setsuko, de apenas 4, o filme Túmulo dos Vagalumes (1988), um clássico mundialmente lembrado do Studio Ghibli, convida o espectador a calçar os poucos sapatos que restam às crianças desamparadas pela guerra, viajando pelas memórias fragmentadas de Seita. Essas lembranças flutuam entre devaneios de uma infância feliz e uma realidade alarmante.
O filme é uma adaptação do conto semibiográfico Hotaru no Haka, de Akiyuki Nosaka, publicado em 1967. A narrativa nos arrasta à devastação do Japão em guerra, em 1945. Em meio a um cenário de destruição, com os pais mortos e parentes desinteressados, duas crianças acabam em situação de rua, morrendo ao desamparo de qualquer instituição. A realidade cruel da guerra – com miséria e violência que destroem a vida de centenas de inocentes – não está distante dos espectadores contemporâneos.
Como não enxergar, nas vilas bombardeadas e reduzidas a cinzas sob a direção de arte de Nizo Yamamoto, a imagem dos 43 mil palestinos mortos em menos de 200 dias de combate na Faixa de Gaza neste ano, dos quais 44% eram crianças? Como não ver, nas feridas da mãe de Seita e Setsuko, as 10,4 mil mulheres mortas naquele mesmo período, segundo dados da Federação Palestina no Brasil? Esse número, registrado em abril, só cresceu com o desenrolar da guerra, deixando crianças que precisam forçar-se a serem adultas para cuidar de outras crianças.
Como não lembrar, nas ilustrações do corpinho adoecido e frágil de Setsuko, dos cerca de 400 mil menores deslocados pelo conflito no Líbano, segundo a ONU, também em 2024? Crianças e adolescentes vulneráveis a infecções, diarreias, sarna e piolhos. Passados 36 anos desde o lançamento da animação, os corpos do nosso tempo ainda se empilham como os vagalumes de Setsuko, sua mãe e seus vizinhos, em valas comuns, cavadas pela violência da guerra.
O público brasileiro também sente essa realidade ao assistir ao roteiro visceral de Isao Takahata. Em terras tupiniquins, embora longe de tantas guerras, 15 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta no Brasil nos últimos três anos, segundo a UNICEF. Apesar dos avanços na legislação e proteção infantil, muitos “Seitas e Setsukos” ainda se acumulam nas esquinas do país. Segundo um estudo da ONG Visão Mundial, em 2019, 70 mil crianças estavam em situação de rua no Brasil, das quais 1.800 estavam ao relento na capital paulista.
O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que a responsabilidade pelos menores deve ser compartilhada entre familiares e, em última instância, o Estado. Em 12 de outubro, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) destacou que, após cinco anos sem convocação de diálogos para formulação de políticas públicas, a Conferência dos Direitos da Criança e do Adolescente reuniu 1,3 mil participantes e aprovou 116 propostas, além de lançar um novo Plano Nacional dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes.
Há muitas iniciativas em andamento. E, com o recurso do cinema, é possível sensibilizar o público sobre a urgência de proteger os direitos das crianças e adolescentes. Diante de discursos que deslegitimam os direitos humanos, a poética lembrança da infância roubada de Seita e Setsuko, através da linguagem das animações do Studio Ghibli, toca corações e reforça a importância de cada ação para o cuidado e o zelo com as crianças. Tal como os vagalumes, essas memórias iluminam os passos de meninos e meninas que têm sua inocência roubada pela violência, nas periferias do Brasil e do mundo.
Serviço:
14º Mostra Cinema e Direitos Humanos
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