Direitos das pessoas LGBTQIA+: reflexões a partir de O Segredo de Brokeback Mountain
28/10/2024O filme O Segredo de Brokeback Mountain (2003), em sua delicadeza contemplativa, revela, em breves, mas impactantes momentos, a violência que a população LGBTQIA+ pode encontrar em sua trajetória de vida, até mesmo em anos mais recentes.
Apesar de o filme se passar nos Estados Unidos na década de 1960, marcada pelo violento preconceito contra pessoas LGBTQIA+, e antes mesmo da revolta de Stonewall, há muitos paralelos com histórias semelhantes que ocorreram até mesmo no Brasil. Um exemplo é o caso dos jovens que foram agredidos na Avenida Paulista, em São Paulo, em 2010. Luís Alberto Betonio estava voltando da balada com mais dois amigos quando foram agredidos por um grupo de menores, segundo o G1. Na reportagem, Luís Alberto Betonio afirma não ser homossexual.
Esse caso indica que a violência contra pessoas LGBTQIA+ não está restrita apenas a esse grupo. Pessoas que, por qualquer motivo, são vistas socialmente como fora da heteronormatividade – um padrão que estabelece a heterossexualidade como norma – e cisgênero – que define a pessoa que se identifica com seu gênero de nascimento – também estão sujeitas a esse tipo de violência.
Por isso, é de suma importância que haja mais conscientização sobre os direitos das pessoas LGBTQIA+. Obras como o filme citado ajudam a dialogar com situações do presente e a lançar luz sobre a vivência dessas pessoas. Nesse sentido, o filme é muito empático e delicado.
A construção do relacionamento de Ennis Del Mar e Jack Twist é bem trabalhada, se desenvolvendo ao longo de anos, como poderia ser em qualquer outro filme de romance heterossexual. Devido à expectativa de um relacionamento heterossexual, ambos os personagens são forçados a lidar com casamentos infelizes. Assim como não existem formas na realidade de “converter” uma pessoa à heteronormatividade, não há nada no filme que apague o desejo de Ennis e Jack um pelo outro.
A ideia de “conversão” pode remeter brevemente à prática da “cura gay”, proibida no Brasil pelo Conselho Federal de Psicologia desde 1999, sem respaldo científico, pois não existe qualquer “condição” a ser revertida, uma vez que a homossexualidade não é doença. Não há justificativa para atos de tortura e humilhação a uma pessoa que simplesmente não atende a um padrão heteronormativo cisgênero.
Além de estarem sujeitas à violência externa, as pessoas LGBTQIA+ também estão vulneráveis a internalizar essa violência. De acordo com a National Alliance on Mental Illness, uma instituição sem fins lucrativos dos Estados Unidos, pessoas LGBT têm duas vezes mais chances de desenvolver condições mentais adversas em comparação às pessoas heterossexuais. Isso indica a necessidade urgente de assistência em relação à saúde mental dessa população.
Essa situação se agrava ainda mais ao se conhecer e tornar públicos os dados disponíveis sobre essa violência. No Dossiê de LGBTIfobia Letal de 2023, do Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil, foram registradas 230 mortes de pessoas LGBTQIA+ de forma violenta no país, sendo 184 assassinatos, 18 suicídios e 28 outras causas.
A hostilidade pode partir tanto de outras pessoas quanto da própria família, como é o caso dos personagens do filme. Reações como desaprovações verbais, culpabilizações e restrições de acesso a emprego, comida ou abrigo levam essa população a sofrer tanto física quanto mentalmente, como comprovam os dados relacionados a suicídio do Dossiê.
O filme termina de forma trágica, replicando, infelizmente, a trajetória de muitos que já passaram por algo semelhante. Ennis nunca poderá ficar junto a Jack, que foi agredido brutalmente. No entanto, o filme é um lembrete agridoce de que o amor nunca acaba e que nada pode separar aqueles que se amam verdadeiramente, mesmo em meio às adversidades. E que, se há algo para ser “curado” em alguém, é a LGBTIfobia.
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14º Mostra Cinema e Direitos Humanos
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