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Direitos dos Migrantes, Apátridas e Refugiados: reflexões a partir do filme Elementos (2023)

21/10/2024

Coluna escrita por Letícia Schlemper.

A animação Elemental (2023), em português Elementos, lançada em 2023 pelo Estúdio Pixar da Disney, se passa em uma cidade onde os habitantes de fogo, terra, água e ar vivem em harmonia. A obra foca na história de Faísca, uma garota de fogo. Segunda geração de famílias de imigrantes, Faísca está destinada a trabalhar na “Loja do Fogo”, negócio fundado por seus pais. Os  planos mudam quando ela conhece Gota, um garoto de água, e se apaixona. O responsável pela direção é Peter Sohn, que se inspirou em sua vida em Nova York e nas lojas de seus pais para produzir a obra.

No documentário A Química da Pixar: Tudo sobre Elementos (2023), Peter conta a história de seus pais coreanos, que chegaram a Nova York no final dos anos 1960 e no começo dos anos 1970. Os dois vieram separados, se conheceram em uma igreja no Bronx, bairro de Nova York, e criaram uma família. Além disso, abriram dois minimercados no bairro. A primeira cena da animação mostra a chegada do senhor Brasa e da senhora Fagulha, pais de Faísca, na cidade Elementos. Sem saber falar a língua, tentam encontrar um lugar para morar; porém, não são bem-vindos. A cidade Elementos não foi pensada com o povo de fogo em mente. Conseguem um local afastado do centro da cidade e abrem a “Loja do Fogo”, onde vendem produtos típicos do seu povo.

A dificuldade de encontrar um local de asilo não existe apenas na cidade Elementos; é uma realidade para imigrantes, apátridas e refugiados. A falta de documentos e a falta de nacionalidade do país contribuem para essa situação. Diante disso, é necessário garantir os direitos previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esses indivíduos têm acesso a direitos como educação, moradia, lazer, saúde e trabalho, e também não  devem ser desrespeitados devido à sua cultura. As pessoas têm o direito de reconstruir a vida com dignidade, independentemente do motivo que as trouxe para essa nova terra.

A causa da mudança dos pais de Faísca para um novo local é uma tempestade ocorrida na Terra do Fogo. Eles veem sua terra destruída e resolvem se mudar para conseguir uma vida melhor para Faísca, que ainda estava na barriga da mãe. Da ficção à realidade, mais de 80 mil haitianos vivem no Brasil, segundo a Agência da ONU para Refugiados. Em 2010, um terremoto no Haiti levou à migração de milhares de pessoas para diferentes países, incluindo o Brasil, em busca de refúgio. Atualmente, conflitos armados no Haiti são um dos motivos pelos quais as pessoas são obrigadas a deixar seu país de origem.

Voltando à animação, os pais de Faísca se mudaram sem saber a língua do novo país. Em uma das cenas, o senhor Brasa fala “larota”, em vez de “lorota”; Faísca corrige a pronúncia do pai. Outra parte que chama a atenção é quando Faísca é convidada para um jantar na casa de Gota, seu interesse romântico. Ao chegar no local, ouve de um dos integrantes da família: “Devo dizer que você fala tão bem e claro.” Ela responde: “Falar amesma língua a vida toda é capaz de fazer isso.” Segundo a pesquisa Migrantes, Apátridas e Refugiados, cerca de 16,8% dos imigrantes no Brasil mencionam a língua como um obstáculo para entender as instituições públicas. Essa questão se aplica tanto ao imigrante que não fala português quanto à falta de domínio de outros idiomas nos serviços de atendimento e recepção no país. Essa realidade também foi vivida pela família de Peter Sohn, diretor do filme.

Peter Sohn conta no documentário A Química da Pixar: Tudo sobre Elementos que sua mãe não sabia falar muito bem inglês, e Sohn sabia apenas o básico de coreano. Ele e o irmão se tornaram tradutores de seus pais nos Estados Unidos. Outra questão da vida do diretor relatada na animação é a xenofobia. A família Sohn foi atacada com pedras e ouvia bastante nas ruas de Nova York: “Volte para a China.” Segundo os dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos (ObservaDH), entre 2021 e 2022, as denúncias de xenofobia aumentaram em 874%, ultrapassando os registros de intolerância religiosa, racismo, LGBTfobia, misoginia e neonazismo no Brasil durante o mesmo período. Além disso, a pesquisa indica que, entre 2022 e 2023, houve um aumento de 252,25% nas denúncias. Esse panorama é tratado no filme pela cena do jardim de Vivisiteria, a única flor capaz de florescer em todos os ambientes. Brasa e Faísca vão para esse jardim, mas, ao chegarem ao local, são barrados na entrada, pois o fogo era perigoso demais para aquele ambiente. Também ouvem comentários: “Volta para a Terra do Fogo”, nesta ocasião.

Apesar de Elementos tratar de questões migratórias, segundo o diretor Peter Sohn, o coração da animação é a história de amor entre Gota e Faísca. Inspirado na história de amor de Peter, sua esposa Anna não é coreana, e foi um processo longo para que sua mãe aceitasse esse relacionamento, exatamente como os pais de Faísca lidaram com a situação. Uma das cenas emocionantes do filme é quando Gota dá um jeito para Faísca conseguir ir ao jardim de Vivisteria. Assim, ela se sente incluída em um local ao qual anteriormente não era bem-vinda. Porém, não se trata apenas da história romântica entre esses dois personagens; mostra também os gestos de amor entre pai e filhos.

Ao final do filme, Faísca resolve não seguir os passos planejados pelos pais e não assume a Loja do Fogo. Ela não queria esse caminho e descobre, com a ajuda de Gota, seu talento para moldar vidros. Assim, consegue um estágio em uma fábrica de vidros. Ao decidir seguir esse caminho, resolve ir contra o sonho dos pais de que ela assumisse a loja. Porém, ao comunicar essa situação ao seu pai, ouve: “O sonho não é a loja, e sim você, Faísca. O sonho sempre foi você.” Afinal, eles se mudaram na esperança de dar uma vida melhor à filha. Essa é a realidade de muitos imigrantes.

Portanto, a animação Elementos é muito mais do que uma comédia  romântica. Através dos personagens de Fogo, Água, Terra e Ar, mostra, de forma lúdica, questões imigratórias enfrentadas por famílias de diferentes nacionalidades na cidade de Nova York nos anos 1970. Barreiras como a língua, xenofobia e dificuldades para se encaixar em uma nova cultura são apresentadas ao telespectador de forma que é fácil de compreender. Assim, Peter Sohn consegue contar a sua história de vida e faz com que várias  famílias também se identifiquem.

Serviço:
14º Mostra Cinema e Direitos Humanos

Assessor de Imprensa da Mostra:
Jéferson Cardoso
jefersonzc@gmail.com

Para dúvidas e mais informações:
oficialmcdh@gmail.com

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